Aconteceu ontem (08), dois encontros para discutir a Comissão Particular de Inquérito (CPI) da Violência contra Jovens Negros e Pobres, da Câmara dos Deputados. Na parte da manhã aconteceu uma Diligência no bairro Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte, bairro que fica na zona leste da capital mineira e é considerado o mais violento de Belo Horizonte de acordo com o Departamento de Homicídios e Proteção à pessoa (DHPP), por isso a CPI quis ouvir a sociedade sobre os problemas e discutir as soluções para a redução da violência, promoção dos direitos humanos e valorização.
A diligência foi realizada pelo deputado federal Reginaldo Lopes em parceria com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais que é presidida pelo deputado estadual Cristiano Silveira.
Já na parte da tarde uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, durante o debate, o deputado federal e presidente da CPI na Câmara dos deputados, Reginaldo Lopes, citou o sociólogo Florestan Fernandes, que definiu o genocídio da população negra, caracterizando mortes físicas e simbólicas. Ele disse ainda que no país, na faixa de idade de 12 a 19 anos, ocorrem 20 vezes mais assassinatos de jovens negros do que de brancos. ” Estamos vivendo uma verdadeira guerra civil, o número de vítimas de homicídio no Brasil em quatro anos, de 206 mil pessoas, em sua maioria negros, superou os 170 mil mortos nos 12 maiores conflitos armados no mundo entre os anos de 2004 e 2007, de acordo com o Mapa da Violência de 2013″, afirmou o parlamentar.
Diante disso, Reginaldo atribui também como objetivo da comissão a alteração da Constituição Federal, para que seja incluído no texto uma nova concepção de segurança pública. “Temos que reduzir os homicídios a níveis de países avançados, de um digito apenas. Se conseguirmos isso, daremos um passo para o Brasil fazer um acerto com a sua história”, concluiu o deputado, se referindo que essa nova visão pode possibilitar que seja firmado um pacto para a redução dos homicídios no país.
Fizeram parte da primeira mesa também o deputado estadual e primeiro secretário da ALMG, Ulysses Gomes, os deputados estaduais, Professor Neivaldo, Rogério Correa e o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Cristiano da Silveira que destacou que apesar do país ter avançado na área social, agora que se deu conta da perda de jovens, principalmente negros para a violência. “Precisamos de um grande pacto pela vida, com a perspectiva de mudança desse cenário” disse o parlamentar.
Compuseram a mesa também os deputados (as) federais, Margarida Salomão, Adelmo Leão, Edson Moreira, Luiz Couto (deputado da Paraíba) e a relatora da CPI vinda de uma família conturbada, onde tinha pais alcoólatras a deputada Rosângela Gomes do Rio de Janeiro, disse que a sua atuação é pela defesa das pessoas excluídas. ” É preciso acreditar que podemos mudar nossa história”, afirmou a parlamentar.
O governo de Minas Gerais, se mostrou presente através de três secretários de estado que estiveram no plenário: André Quintão, secretário de Trabalho e Desenvolvimento Social; Macaé Evaristo, secretária de Educação; e o Nilmário Miranda, secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania.
A secretária de educação, Macaé lembrou da história da escravidão, onde o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravatura e que só no final do século 20 propôs a universalização do estudo, lembrou também que a redução da maioridade penal é voltar para o século 19, quando os negros eram banidos de qualquer política educacional e social. “Dois decretos do século 19 proibiam a entrada de negros na escola. O País não fez o seu dever de casa na educação ao longo de quase todo o século 20” disse a secretária.
Fez parte também o rapper Flávio Renegado que contou a história do porquê de seu nome, e disse que não tinha apelido na escola e por isso lhe chamaram de Renegado na sua infância. Que quando chegou em casa viu que realmente lhe era “negado” diversas coisas, como moradia, trabalho. “Me foram negadas boas condições de habitação, de trabalho, de tudo na vida, mas eu sobrevivi. E vou continuar sobrevivendo para ver concluída a reforma política que vai criar as condições para mudarmos de verdade esse País” disse.
O major Dênis Martins de Carvalho, representando o comando geral da Polícia Militar de Minas Gerais, destacou que a mortalidade está decrescendo em Minas Gerais, mas que a meta é reduzi-la ainda mais. “Todas as unidades da Polícia Militar contam com comissões de letalidade, que estudam os casos em que houve uso da força resultando em mortes, com o objetivo de reduzir a letalidade”, informou.
A Promotora de Justiça Nívea Mônica da Silva, representando o Ministério Público falou de alguns casos que ela levou e disse que muitas vezes os nossos olhos, nossas mãos ainda insistem em não enxergar e finalizou sua fala com um poema Eduardo Galeano, onde fala da realidade do Uruguai de um tempo passado, mas que se encaixa bastante no momento da CPI e dessa luta contra o racismo
“Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida,
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”
Foto: ALMG