“Quando uma mulher entra na política, muda a mulher. Quando muitas entram, mudam a política (Michelle Bachelet)
Linda Goulart*
No dia 24 de fevereiro comemoramos um importante marco nas conquistas das mulheres brasileiras: 86 anos de do direito do voto feminino no Brasil. Na verdade, foi resultado de diversas ações de pioneiras, que batalharam em diversas frentes e de muitas maneiras para que pudéssemos exercer essa condição fundamental de exercício da cidadania.
A história registra, ainda no século XIX, a luta de Nísia Floresta (1809-1885), que escrevia artigos defendendo a abolição da escravidão e o direito das mulheres à educação e ao voto. A ela se sucederam muitas outras, acumulando pequenas vitórias até a outorga do Código Eleitoral Provisório de 24 de fevereiro de 1932 concedendo o direito de voto às mulheres. Desde então, tivemos muitas candidatas nas eleições a diversos cargos, porém com baixa efetivação de vitórias.
Foram pequenas e importantes conquistas que permitiram aumentar, ao longo dos anos, a presença de mulheres como deputadas estaduais e federais, vereadoras, senadoras, prefeitas e governadoras. Uma empreitada difícil, pela resistência dos homens dentro dos partidos e de todo o aparato institucional, refletindo a cultura patriarcal ainda vigente no país.
A representação mais expressiva vem se dando nas câmaras e no senado federal, com um aumento expressivo no número de vitoriosas. Atualmente, são cerca de 10% na Câmara dos Deputados e 15% no Senado. Apesar disso, tal participação expressa pouco a realidade de um país que tem população majoritariamente feminina (52%). Nas eleições de 2016 mulheres, segundo dados do TSE, representavam 53% do eleitorado. O que faz com que o Brasil seja um dos países com uma das mais baixas taxas do mundo de presença de mulheres do Congresso Nacional.
Segundo a União Inter-Parlamentar (2015) , de um total de 190 países, ocupamos a 116ª posição no ranking de representação feminina no Legislativo. Ficamos abaixo da média mundial, que chega a ser de 22,1% de mulheres ocupando cadeiras nos parlamentos. Os números brasileiros são inferiores aos da média do Oriente Médio, com uma taxa de participação feminina de 16%. Ou seja, estamos abaixo dos padrões internacionais, mesmo considerando países onde os direitos das mulheres são bem menores do que no Brasil. Em relação à América do Sul, estamos atrás Uruguai, Paraguai, Chile, Venezuela, Panamá, Peru e Colômbia.
Muitas são as razões que explicam tal situação. Boa parte dos países com bons percentuais têm políticas expressivas de cotas para garantir maior equilíbrio entre os sexos. A luta da bancada feminina no Congresso para garantir uma cota de 30% de cadeiras destinadas às mulheres, esbarrou em forte resistência dos parlamentares. No final, negociou-se um escalonamento, por meio da PEC 1434/15 em tramitação na Câmara. Por ela, reserva-se um percentual mínimo de representação para cada gênero – homens e mulheres – no Poder Legislativo. A proposta estabelece que a cota mínima aumentará gradativamente: 10% das cadeiras na primeira legislatura, 12% na segunda e 16% na terceira legislatura.
Outro fator importante é a cultura ainda predominante, que destina às mulheres a responsabilidade pelas tarefas de cuidado – as atividades reprodutivas. Segundo o IBGE (dezembro 2017) comparando o uso do tempo de homens e mulheres nas tarefas domésticas, no Brasil, nove entre cada dez mulheres realizam algum tipo de tarefa doméstica durante, no mínimo, uma hora semanal, enquanto os homens são apenas sete em cada dez. Mesmo assim, a disparidade é grande. Enquanto elas dedicam, em média 20,9 horas semanais nos cuidados com o lar, eles dedicam 11,1 horas semanais.
Nesse contexto, não é de se estranhar as razões que levam as mulheres a buscar atividades profissionais que exijam jornadas de trabalho menores, menos viagens e cargos que lhes permitam conciliar seus dois papéis. Assim, mesmo tendo uma importante participação no mercado de trabalho, a elas são destinados, majoritariamente, os cargos de remuneração mais baixa com a existência de uma barreira importante à ascensão na carreira. A escolarização mais alta não reverteu esse quadro.
No caso da política isso é ainda mais evidente. As atividades no parlamento ou no executivo exigem deslocamentos para outras cidades e uma dedicação em tempo integral ao mandato, com longas jornadas de trabalho diário. Algo incompatível com a situação da maioria das mulheres brasileiras. Assim, tendem a se tornar mais disponíveis para a disputa as solteiras ou as que já criaram os filhos. Aqui, mais uma vez se desvela a situação de desigualdade da população brasileira. As mais disponíveis para se lançarem na vida política são aquelas que podem pagar uma infraestrutura razoável para terceirizar as atividades domésticas. E que dispõem de recursos para bancar as campanhas.
Além disso, o partidos políticos tampouco incentivam as candidaturas femininas. É consenso entre as estudiosas do tema que, mais do que dificultar, os partidos políticos sabotam as candidaturas de mulheres. Eles seriam o maior obstáculo ao fortalecimento das candidatas, privilegiando sempre os homens nas questões fundamentais como recursos financeiros para as campanhas, exposição nos palanques, tempo no rádio e tv. A efetiva representação dentro da estrutura de poder do partido é o que pode permitir o avanço. Caso contrário, as mulheres continuarão a ter uma representação muito menor do que a que as representaria proporcionalmente.
Mudar a política requer a presença de bancadas femininas fortes nos órgãos de representação municipal, estadual e federal. Mas , para isso, não basta que se elejam mulheres. É preciso que elas sejam comprometidas com a igualdade de gênero e raça. E que pautem sua participação nos debates, na elaboração de projetos e nas votações sob essa perspectiva. Só assim será possível avançar na democracia e na equidade no Brasil.
Afinal, precisamos e queremos mulheres que nos representem!
*Integrante do Coletivo de Mulheres do PT de Minas